Quando a Quaresma começou em 26 de fevereiro, não poderíamos imaginar como seria o caminho de deserto neste ano. Estávamos com tudo organizado e planejado: encontros, formações para a Campanha da Fraternidade, reuniões, celebrações, encenações da Paixão de Cristo, tríduo pascal. Os bispos do Paraná estavam em Roma e participaram da missa de cinzas com o Papa Francisco. O mundo já estava falando sobre o novo Coronavírus, mas tudo ainda transcorria com certa normalidade.

Mal retornamos ao Brasil, ainda no final de mês de fevereiro, e a Itália parou, entrou em quarentena. Ainda não fez um mês de nosso retorno e aquele país já perdeu mais de 7 mil vidas em decorrência da doença. E, assim como em todo o mundo, o vírus chegou ao nosso Brasil. Ouvindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, das autoridades sanitárias do país e de nossos governantes, com dor no coração, suspendemos as missas com a presença dos fiéis, todas as atividades pastorais e pedimos a todos os católicos, se possível, fiquem em casa. Os especialistas têm nos orientado que esta é a única forma de conter o avanço acelerado da pandemia e assim, evitar que muitas pessoas percam a vida.

Quero lembrar a todos, nesse momento, que a Igreja não está fechada, nem mesmo está de “quarentena”, suspensa por um tempo. Apesar de não podermos nos reunir, fisicamente, todos nós, batizados, somos Igreja onde quer que estejamos. Os bispos e os padres continuam celebrando a Eucaristia, diariamente, em comunhão com todos os que creem e em favor de toda a humanidade, tentando se fazer próximos pelos meios de comunicação social.

Penso que este tempo, que tem gerado incertezas e medo em nós, pode ser também aproveitado de outras formas. Ficar em casa tem sido o melhor gesto concreto da Campanha da Fraternidade deste ano: “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso”. Ficar em casa, hoje, é ter a atitude do bom samaritano, de ver, sentir compaixão e cuidar. Além disso, ficar em casa pode ser uma verdadeira oportunidade para fazer de nossa família uma verdadeira “Igreja Doméstica”. Quero sugerir algumas dicas para vivermos esse tempo com serenidade, fé e esperança.

1. Fique em casa, se for possível: a recomendação das autoridades sanitárias é para ser lavado a sério. É um gesto de cuidado com a sua vida e com a do próximo.

2. Fique bem informado, mas na medida certa: assista ao menos um telejornal por dia, nacional e da sua região. Leia ou escute as notícias de meios de comunicação confiáveis. Mas não fique o dia todo com a TV ligada nos noticiários e nem nas redes sociais, isso fará mal a você.

3. Cuidado com as notícias falsas: elas confundem, desinformam, alarmam. Desconfie de áudios sem procedência que recebe pelo WhatsApp, de notícias bombásticas, de foto montagens… E não compartilhe nem divulgue nada que seja duvidoso.

4. Cuide de sua vida espiritual: tire um momento do seu dia para a oração pessoal. Fique em silêncio, faça a meditação de um texto bíblico (pode ser o da liturgia do dia), reze o terço ou simplesmente converse com Deus.

5. Cuide da vida espiritual da sua família: convide para que possam fazer um momento de oração juntos, como o terço, por exemplo. Prepare o ambiente com uma vela acesa, um crucifixo, alguma imagem de Nossa Senhora e a Bíblia. Se isso for difícil, convide para que todos participem de uma missa ou outro momento de oração que tem sido transmitido pela TV ou pela internet.

6. Fortaleça os laços de amor familiar: aproveite para ficar junto e conversar, deixando de lado um pouco o celular. Cultive gestos de gentileza uns com os outros. Sejam criativos: inventem algum jogo, brincadeira, façam uma comida diferente, vejam álbuns de fotografia antigos e recordem boas histórias, assistam um filme…

7. Faça-se próximo dos vovôs e vovós: se tem um idoso em casa, tenha o máximo de cuidado com ele. Se estiver distante, de um jeito de ligar, mandar uma mensagem, fotos, fazer uma videochamada. Enfim, demonstre que eles não estão sós e que são amados.

8. Converse com os amigos: não é possível se encontrar, nem se tocar, mas é possível conversar. Ligue para os amigos para conversar, saber como estão, partilhar como você está vivendo esse tempo, transmitir uma mensagem de paz e esperança.

9. Trabalhe: se o seu trabalho for possível desempenhar de casa, faça-o da melhor forma possível. Se não for, e estiver de férias ou dispensado, arrume uma forma de manter-se ocupado durante uma parte do dia. Quer seja um trabalho manual ou intelectual, mantenha-se ocupado.

10. Não perder a esperança: isso vai passar e nós iremos superar! A nossa fé é uma grande aliada neste momento. Lembre-se que você é Igreja e por isso não está sozinho nunca!

Vamos aproveitar este tempo de recolhimento social para fortalecer os laços familiares. Mesmo que sua família esteja cheia de problemas e sofrimentos, Deus está n’ela, pois Ele nos fala que não veio para os justos, mas para os pecadores, como se nos dissesse, eu não vim para as famílias bonitinhas, mas justamente, para famílias cheias de problemas, pois Ele é nosso auxílio. Não existe pais e filhos sem defeitos, mas neste suportar, perdoar e amar é que nos faz ser mais gente, com ternura, amor e sensibilidade. Gente que é gente, que vive na esperança; e assim seremos famílias cristãs evangelizadoras e missionárias.

Mesmo que na Páscoa nós ainda estejamos dentro de nossas casas, quero recordar que a primeira comunidade cristã, após a morte de Jesus, também estava trancada dentro de casa, com medos e incertezas (cf. Jo 20, 19). Isso não impediu que a Páscoa acontecesse, pois o Ressuscitado adentrou pelas portas fechadas e corações amedrontados, colocou-se no meio dos discípulos e disse: “A paz esteja convosco!”.  Se estivermos em casa, Ele virá até nós!

Dom Geremias Steinmetz
Arcebispo de Londrina e presidente do Regional Sul 2 da CNBB